May 06, 2008

O mar e a Areia

Os nossos passos arrastam-se pelos grãos de areia pesados, plantados em saudade naquela praia. O céu azul harmonioso e o sol brilhante aos poucos semeava a tua cor na minha pele. Neste momento estamos juntos e a minha mão encontra a tua, sintonizamos, o tempo e os nossos passos desenham na areia pegadas que não se apagam ali conseguimos o que nunca nenhum pintor conseguiu, a simetria exacta de dois corpos de duas almas. Sento-me na areia ainda húmida, do toque do seu amado aquele que parte e antes do primeiro suspiro volta, e cada grão de areia é como se tivesse um coração que estremece, e o mar volta revoltado com pressa de abraçar a sua amada e aos poucos e poucos a cada toque dela volta sereno e pacifico para onde não deseja ir. As suas mãos deslizam e libertam a raiva, vão passeando por o seu relevo e vai como quem não quer ir, arrasta-se pelo tempo para poder sentir só mais um pouco e ela segura-lhe por entre os nós dos dedos dando força para ele voltar. Dando força para ele nunca partir.
A areia fica húmida de sonhos e o mar seco de êxtase da noite passada, sereno depois de ter navegado por entre a areia seca de um amor molhado. O reflexo da lua reflectia sobre eles e a sua água nua tocava na areia ainda por despir. Durante horas encenaram o canto do amor, durante horas amaram. Numa sinfonia completa, o seu corpo chegava-se para trás e logo a seguir para a frente ela estremecia e esperava pela sua força. As conchas e pequenas pedras estremeciam perante o impacto do amor de uma luta incessante de um amor sempre próximo e distante que não morre. A beleza do acto consumado era olhado por nós juntos, também a fazer amor naquela praia deserta... ingenuamente pensávamos estarmos sozinhos mas bem perto de nós a areia e o mar também faziam amor enrolando-se por entre um mar de emoções pensando também eles que estavam sós.


André Henry Gris

March 08, 2008

Saudade...

Olhava-a nos olhos fechados, tão intensamente que os via abertos, cumplicidade tanta que já confundia quem era, deitados naquela cama abraçados como um só... momento, um só amor, um só corpo.
A Paz preenchia os corpos deitados e as meias palavras eram completadas por ela, um reflexo de uma vida que completavam. As suas mãos passeavam pelos cabelos e rosto cuidadosamente sem acordar, recordava aos poucos e durante esse voo sobre uma vida dos dois, sentiu o corpo dela, uma chama adormecida que acordava e abraçava-o com força com tanta que ele próprio desconhecia, sem acordar aconchegou-se mais a ele. Um esboço de sorriso nasceu nela enquanto dormia e uma lágrima solteira dele completava o sorriso que esboçavam no rosto de ambos.
Naquele momento um surto dos tempos passados surgiram a boiar na sua mente, pensou na saudade que sentiu.

Preciso-te... dizia ele em pensamento bem baixinho apenas para os dois ouvirem.
Os tempos sem ela, foram difíceis, como um desabar da terra em que ambos pisavam ficando apenas o vazio, a pairar num ar demasiado pesado mas leve demais para ser tocado. Uma guerra e paz ao mesmo tempo, um meio termo que mata sem matar. Ele observava a sua morte lenta e dolorosa, lá embaixo via as rosas a cair, num caixão de um amor ainda tão vivo. Gritava alto demais mas ninguém o escutava, batia na madeira transparente com tanta força que as suas mãos já escorriam em sangue, via tudo ao longe bem ao longe lá estava ela... formosa, preciosa como sempre o teve e ele nunca o tinha reparado com uma lágrima no canto e um lírio na mão. Naquele momento viu toda uma vida a passar por ele e sem forças não conseguiu mudar. Apenas amar. Como nunca antes o tinha feito. Os erros perseguem-nos, sem pudermos mudar e nós continuamos a ir atrás a rastejar por entre o pesado rasto que ele deixa. Saudade, para ele foi sinónimo de amar... o amar mais puro onde a mentira, nunca fez parte. A verdade é que... nessa saudade envolta de dor recordou os pequenos momentos da vida deles... viveu de novo individualmente e sentiu a dor... a dor de quem sente demasiado forte o que já não pode sentir.

São os pequenos momentos que fazem esta vida tão grande. Abriu os olhos e tinha ela a olhar para ele. Segurava com a mesma força... com a mesma certeza. A mesma que ele nunca irá largar. Tudo mudou. Ambos agora já colheram a dor ambos sabem o que é o amor.
Abraçou-a com mais força tanta que ambos partilharam a pele... lendo a mente dele, beijou-o e soletrou esta pequena frase “já passou bebé, te amo vou estar sempre aqui”.


A morte foi vida, necessária para seguirmos em frente num caminho só nosso.
Te amo.

André Henry Gris

October 31, 2007

A ilusão da mentira

Numa tarde cinzenta ele, já não conseguia segurar as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto derretendo o brilho do olhar, juntamente com o passado simplesmente apagado por nunca ter existido. Sentado num banco de jardim em Lisboa, observava a vida que à sua volta surgia, impotente para controlar um tempo cada vez mais remoto... ali permanecia.
A culpa, carregava-lhe os ombros de tal forma que subitamente tinha perdido a vontade de viver, a vergonha por matar os sorrisos que semeou, como o sol que na tela pintada tanto revela o brilho das cores como retira-as deixando um branco pesado em tons de negro como o segredo agora revelado, demasiado doloroso para ser ouvido mas que ecoa na sua mente, repetindo vezes sem conta as palavras que tanto se recusa a ouvir. Aquele foi o caminho que escolheu, desvendado pelo tempo do qual sempre se escondeu e agora num abraço sem dó recolheu a pouca verdade que existia transformando tudo num tormento de mentiras.
A dor insuportável, como a insustentável dureza de um ser que sentia a dor de ferir quem amava, cambaleava pelas ruas de Lisboa sem destino, como a sua vida, um hoje sem pensar no amanhã. A todos os segundos relembrava o rosto de quem ficava para trás na dor criada por os seus actos, sempre soube que ia acontecer mas nunca soube, quando? Ou como? Uma vida duplamente vivida nunca duraria para sempre, pensava ele numa das muitas noites em branco fruto da ilusão que para outros arquitectava. Tentou inúmeras vezes entregar-se à verdade mas sempre que decidia firmemente, a ilusão era tanta que não sabia separar e quase sempre ficava... calado, à espera que pelo tempo tudo fosse revelado.” O dinheiro, sempre, foi a causa de tudo” pensava, sem conseguir ver o verdadeiro culpado(ele). Durante as noites de insónia tentava encontrar soluções que adiavam e nada resolviam. Aos poucos e poucos ia criando uma bola de neve que resultou na avalanche que abateu sobre eles.
Imaginava, Maria sua esposa e Pedro seu filho, numa casa vazia encharcados em lágrimas de raiva, desejou que nunca tivesse acontecido e o ódio apoderou-se, matava-o aos poucos. Hoje nada tinha se não a consciência pesada de uma vida mal levada, se pudesse voltava atrás e diria por breves momentos o quanto ama aqueles que agora faz sofrer, demonstrando arrependimento em forma de uma paz desejada. Hoje apenas ficam as palavras de quem vive na rua num rio de entulho que a cidade rejeita, sobrevive com a ajuda de outros e em buscas na degradação humana, dorme com o seu corpo suportado por um pedaço de cartão que não aquece a rua fria de uma memória jamais esquecida. Adormecia, nos braços da mulher que amava (imaginava) coberto na tal noite fria aquecida pelos dois corpos deitados, Naqueles momentos dava valor ao que nunca deu, esqueceu as noites perdidas em copos e no jogo... esqueceu até mesmo o ódio que sentia, trocava tudo para ter de novo a sua família, adormeceu naquela noite como tantas outras que já tinham passado na rua.

Acordou, com uma criança aos saltos e uma mulher deitada ao seu lado, ouvia de fundo “pai”, e um leve beijo no seu rosto, tentou entender o que se passava mas nada fazia sentido. Maria estava deitada ao seu lado e Pedro aos saltos ambos bastante mais novos, olhou-se ao espelho que havia em frente da cama, também seus contornos mais novos e sem o mau aspecto da última noite, só recordava o deitar-se numa caixa de cartão estendida na calçada nada mais, e agora ali estava na sua casa que tanto desejou, sentiu-se fruto de uma ilusão que tanto ele criou, segurou na primeira peça de roupa vestiu e rapidamente fugiu de casa perante o olhar incrédulo da sua família. Correu sem rumo sem meta, passado uns bons minutos de correria parou e recuperou a respiração perdida na corrida. Olhou para uma banca de jornais, mas já tinha lido aquelas notícias e conseguia desenrolar os próximos capítulos, o ano 1987... pensou estar louco. “não pode ainda ontem estava em 2002” dizia para ele mesmo, pôs as mãos ao bolso e num dos bolsos restos de um entulho que ontem recuperou do lixo e um pedaço de jornal que em pequenas letras dizia “ todos têm direito a uma segunda chance”, naquele momento transformou-se num homem diferente e foi para casa abraçar aqueles que nunca chegou a abandonar. Em segredo todas as noites agradece pela chance de uma vida antiga completamente nova.

Uma ilusão numa outra ilusão, encontrada numa oração desesperada.

André Henry Gris

October 16, 2007

A união da morte

Passeava Sozinha, onde estiveram juntos, agora restava a solidão dos braços caídos na esperança de um abraço prometido. Derrotada pelo tempo como folhas verdes que pintavam o céu agora num chão sangram pela terra, tal e qual o seu sorriso que sangra numa alma. Na esperança que voltasse observava a rua por aquela pequena janela, mesmo sabendo que seria impossível (maior cego é aquele que não quer ver) mas... esperava por quem amava. Acordava como adormecia, na tristeza do olhar que não vencia a rotina, levantava-se e vestia a roupa que tivesse mais à mão e andava perdida á deriva no mar de destroços de uma vida que ruiu. Acordava já com lágrimas derramadas por entre o corpo de saudade que feria-lhe por ser eterna. Antes tantas vezes sentira-se sozinha e hoje compreende que nada era se não um surto de felicidade e ansiedade por poder estar nos braços de quem esperava, ao contrário do vazio que hoje sente. Já tinha passado um ano, enquanto olhava pela janela à procura daquele que partiu, as flores caem-lhe sobre o mármore branco e seus joelhos na terra, um olhar para baixo e não para o céu como sinal de vergonha por um Deus que negou o último adeus... um abraço vazio naquela pedra fria que seu rosto mancha. O vento lentamente ergueu-se e afastou as flores do retracto, dos dois. Um tempo que quis recordar a felicidade em vez da tristeza. Foi insuficiente as lágrimas derramavam com mais força por sentir sem poder sentir. Afastou-se e seguiu caminho por entre a terra batida, com contornos de branco e de flores espalhadas como marcas de uma perda. Escondidos num templo construído ao ar livre onde a chuva escorre e arrasta as flores mas nunca a memória de quem permanece. Naquele dia, decidiu passear junto dos locais que fazem parte das inúmeras memórias, na esperança de sentir mais próximo, no entanto sentiu-o distante. Parou o carro em frente ao mar e...desejou sentir o abraço como aquele que sentiu no primeiro beijo. Para ela a certeza de sentir-se amada era a mesma, nada mudou e ao mesmo tempo tudo, sente a falta... nota-se num olhar sem destino. O mar revoltoso acorda e desenha a banda sonora de uma dor ainda não composta, uma melodia de vida que acompanha para sempre, desde o fatídico dia. Adormeceu com a cabeça encostada, ao volante, e a dor desaparecia no sonho de um novo dia, mas a ilusão esperava que a loucura tomasse conta dela, com o sentimento de culpa que carrega. Algo bateu no vidro, acordou sobressaltada e o seu coração em jeito de oração desejou que fosse ele, mas não o era, apenas alguém preocupado com a imagem de uma mulher deitada sobre o volante fez interagir. Nesse fim de dia falaram... ele também estava lá pelo mesmo motivo, (memórias) e ambos fizeram uma tertúlia de dores em frente aquela praia deserta, conversaram até um por do sol, recordaram os bons momentos e descreveram quem perderam da forma mais bela algo que há muito não faziam pois a dor não permitia. A noite já tomava conta do céu e ambos partiram em destinos separados de um destino unido.

Eu continuo na eterna tortura de quem já não pode sentir, encontro-me a narrar aqui de cima a tua vida, no desejo de seres feliz. Sei que essa dor é real e nunca deixarás de sentir no entanto prossegue, por mim... para nós. Nesse momento um sorriso inesperado surgiu... olhaste-me e uma lágrima caiu em alguém que não devia conseguir chorar.

Deixei-te numa eternidade que afinal não é assim tão distante.

André Henry Gris

October 01, 2007

Esperança

Seus olhos cruzam-se com um espelho e fecham-se. As lágrimas mesmo assim encontram o caminho e deslizam num desgosto de um rosto que já não é o seu, dorido de um sorriso que perdeu. Observa o céu azul rasgado em tons de cinzento como o apodrecer de uma esperança que já não alcança. O desgosto fala em tons de silêncio para mais ninguém escutar... para mais ninguém amar nem mesmo ela. Perdida, numa guerra sem vitórias, que continua nos restantes dias como uma tortura permanente, para quem já soube e agora não sabe o que sente.
Raiva? Dor? Nada! Um vazio ensurdecedor para quem recusa ouvir o tanto que existe para sentir. Alguém que sabe que vai partir e sem forças não consegue nem mesmo chegar. O quarto é o seu mundo, foragida, acordada numa noite ainda por dormir, vagueia por uma última ceia de sonhos que ficam por realizar e de tantos outros que desejará nunca os ter concretizado. Lá fora a chuva caía e invadia o seu espaço curto de um tempo que nunca imaginou estar tão perto do fim. Encurtado por uma respiração forte como grãos de areia deslizando por uma ampulheta, observou as estrelas caídas num céu, fechou os olhos com força e pediu um desejo. Naquela noite, naquela vida tanto fica por dizer na altura da partida, mil e uma palavras que agora repetidas sem ninguém presente para ouvir para além das lágrimas repartidas com a ausência de uma vida que ficará por viver. Um grito... sussurrado num tempo quebrado. Naquela noite adormecia e ao mesmo tempo nascia quem tinha acabado de morrer.

O sol entrava pela janela, como um beijar de um rosto ainda adormecido, lentamente acorda com a investida dos raios que chocam com a escuridão. Os pés dela tocam o chão. Sentada, ainda com os olhos meio fechados as suas mãos pautam o caminho até à mesa-de-cabeceira onde vão de encontro com o maço de cigarros, retira um e acende, durante alguns segundos sente-se o ar ser invadido pelo fumo. Tinha deixado esse vicio há algum tempo atrás no entanto sempre que surgia um problema recaía e abraçava o vicio que ainda vencia esse seu corpo cansado. Nicotina... uma droga suave. Sentia que curava e talvez até curasse um corpo cansado uma alma perdida até mesmo a esperança que sangrava. Com os olhos já abertos olhou para um sol que ainda não brilhava pelo menos para ela. Naquele dia tudo continuava igual um quarto trancado num antes que não consegue ver o agora, as lágrimas marcam o dia normal inundado de perguntas sem resposta. Ela perguntava o porquê de toda aquela dor e o sol lá fora começara a brilhar talvez de uma forma como nunca havia feito desde aquele fatídico dia. Sentiu uma esperança a invadir aquele corpo mutilado e a acordar aquela esperança enfraquecida, lentamente caminhou em direcção a um espelho escondido no quarto virado ao contrário dentro de um armário. A coragem ia enfraquecendo a cada passo dado. Ao abrir a porta do armário o sol brilhou ainda mais... Ela sentiu que brilhou só para ela, como há muito não sentia. Olhou-se durante breves segundos, o silêncio superiorizou-se ao brilhar de um sol. As lágrimas começaram a escorrer mas desta vez de olhos abertos aos poucos e poucos poisou o espelho sem o virar ao contrário vestiu-se e saiu do quarto... sem o rasto de medo, sem a dor da ausência da esperança. Beijou os pais e o irmão e partiu em busca de uma vida que estava a perder. Naquela sala fechada sem janelas o sol também brilhou e iluminou as vidas que com ela se estavam a apagar.
O truque é amar.

André Henry Gris